Desde a entrada em vigor da Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/1991), o mercado de locação passou por várias mudanças que o fizeram amadurecer e expandir.
Após três décadas a referida legislação se consolidou, trazendo paz a um mercado que viveu muitos anos sob forte insegurança jurídica.
Por se tratar de uma norma cogente, obriga as partes envolvidas na relação ex locato a respeitar seus ditames, tornando nulas as cláusulas contratuais que visam burlar o seu objetivo.
O art. 22, da Lei do Inquilinato, trata das obrigações do locador, enquanto o art. 23 elenca as obrigações do locatário.
O inciso VII, art. 22, prevê de forma clara e inequívoca que será do locador a obrigação pelo pagamento das taxas de administração imobiliária. Portanto, a contrario sensu, elas não podem ser exigidas do inquilino.
Antes da promulgação da referida lei, era comum a cobrança de diversas taxas aos locatários. Na época, a escassez de imóveis era tamanha, que se o locatário reclamasse, perdia o imóvel para quem estava disposto a pagar.
Em regra, era cobrado o equivalente ao primeiro aluguel para remunerar a feitura do contrato, taxa de cadastro para aferição da situação socioeconômica do locatário/fiador e taxa de expediente durante toda locação.
Foi um tempo em que o aluguel era carcomido pela inflação galopante. Além disso, para se obter a posse do imóvel após o término da locação travava-se uma luta que, geralmente, favorecia ao inquilino.
Por tais motivos, muitos proprietários preferiam deixar o imóvel vazio. Sendo assim, querer cobrar alguma taxa do locador significava perder o cliente para o concorrente.
Com o advento da Lei do Inquilinato, o mercado foi se transformando e com o passar dos anos os administradores de imóveis passaram a cobrar as referidas taxas dos senhorios/locadores.
Registre-se que tal mudança de postura se deu por conta das sanções previstas na novel legislação, em especial, a de prisão e pagamento de multa.
De lá para cá, outra legislação que “pegou” foi o Código de Defesa do Consumidor, irmão mais velho da Lei do inquilinato, já que foi promulgado um ano antes.
Tal qual ocorreu com a legislação inquilinatícia, o CDC mudou radicalmente as relações de consumo, fazendo com que os fornecedores de serviços passassem a responder de forma objetiva por suas condutas.
É cediço que o contrato de locação tem natureza civil, portanto, na relação entre locador e locatário não se aplicam as normas consumeristas.
Contudo, quando a locação é administrada por uma empresa ou mesmo corretor autônomo, que o faz com assiduidade e mediante remuneração, a referida relação passa a ser de consumo, seja em relação ao locatário ou ao locador.
Foi esse o entendimento do Juízo da 5ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Rio de Janeiro, no processo nº 0843862-14.2022.8.19.0001, ao julgar Ação Civil Pública proposta em face de empresa que administra milhares de contratos de locação em todo o país.
No caso em comento, a empresa que intermediava a locação cobrava de seus locatários valores sob as rubricas de “taxa de serviços” e “taxa de reserva”.
Na fundamentação da decisão que reconheceu a relação de consumo a Juíza destacou que:
Registre-se, por oportuno, que a referida empresa se apresenta como imobiliária em todas as propagandas que veicula, porém, ao contestar a ação se posiciona com “plataforma”. Ocorre que uma plataforma não precisaria de CRECI jurídico para atuar. Esta é uma exigência prevista na Lei nº 6.530/1978. Portanto, não sendo um corretor autônomo, é uma imobiliária.
Espancada a dúvida sobre a incidência do CDC, a magistrada passou a demonstrar as condutas ilícitas cometidas pela Ré, bem como, quais normas foram descumpridas em relação às duas legislações.
Na decisão, a magistrada ressaltou que a proibição de tais cobranças tinha sido objeto de outra ação civil pública, cuja Ré era uma empresa imobiliária dita “tradicional”.
Embora a decisão em comento seja passível de recurso, tudo indica que prevalecerá o entendimento que vem sendo consolidado até aqui, qual seja, de que cabe exclusivamente ao locador arcar com os custos pela contratação de intermediários para cuidar do fechamento e administração da locação.
Tal decisão é importante para que não haja dois pesos e duas medidas, onde um agente atua de acordo com sua conveniência, ora como imobiliária e ora como “paltaforma”, cobrando taxas que outras imobiliárias, ditas tradicionais, não podem cobrar.
Na decisão consignou-se ainda, que os clientes que efetuaram pagamentos indevidos poderão pleitear o ressarcimento em dobro dos valores cobrados indevidamente.
Como falamos no início, a decisão certamente será atacada com recursos em todas as instâncias, mas, balizará, doravante, o rumo a ser adotado pela maioria dos agentes que atuam no mercado.
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